quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A monogamia está em crise

O meu avô, sempre com um brilhozinho característico nos olhos, costumava contar como conheceu a minha avó. Bastou uma troca de olhares. Não se conheciam, nunca tinham falado, nunca tinham estado próximos fisicamente, mas naquele momento em que os seus olhares se cruzaram pela primeira vez, o meu avô teve a certeza que aquela seria a sua futura esposa, mãe dos seus filhos, companheira de uma vida inteira. A minha avó, com aquela timidez que lhe era peculiar, contava que corria, todos os finais de tarde, para a linha do eléctrico, de onde o meu avô lhe atirava flores, sorrisos e cartas de amor. E, assim, permaneceram enamorados, durante meses, trocando sorrisos acanhados. Amavam-se sem nunca sequer se terem beijado.
Sonhado por todos as jovens, o momento de subir ao altar, era, naquele tempo, um dos principais pontos de realização pessoal, mais do que mera imposição social. Os valores de partilha e confiança, que se agregavam à ideia de casamento, auxiliavam na criação de uma relação duradoura, capaz de educar uma família basta. (Mas hipocrisias e preconceitos à parte, será que os ditos monogâmicos, no seu dia-a-dia, não costumavam sentir uns suorzinhos súbitos, acompanhados de imagens mentais pouco fiéis à sua relação de exclusividade?)
Hoje não se acredita no “até que a morte nos separe”. Ter uma relação de exclusividade e confiança perdeu-se na geração dos meus avós. Já não se acredita no casamento e o ideal de construir uma família parece “fora de moda”. Usam-se o cansaço e o excesso de trabalho como desculpas para não se investir numa relação a longo prazo. O “viveram felizes para sempre” limita-se a cliché de contos de fadas.
O tempo em que conversas de quatro horas voavam e em que dias separados pareciam semanas está a esgotar-se, por falta de tempo. Os jardins andam desertos de casais apaixonados, a união já não é assinalada por mãos entrelaçadas, já não se guardam as frases feitas dos papéis que enrolam os bombons. A palavra “nós” está a cair em desuso e o amor só existe no presente. Não é incomum que alguém não se recorde do número de parceiros que já teve, nem é invulgar que se mantenham várias relações em simultâneo. A monogamia está em crise.
Será só nas comédias românticas que as leis da física parecem precisar de reformulação, de modo a englobar os efeitos peculiares da paixão? Num mundo com milhões de pessoas a monogamia será pedir demais?

Eliana Macedo

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